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16 de janeiro de 2013

CONTO: Você não se importa



─ Você não se importa comigo! Estou cansado disso! – bateu a porta e foi embora.
Leila já estava acostumada a ouvir a frase: “você não se importa...”. Ouvira de seus pais, dos amigos – quando os teve – dos ex-namorados... Assim, Joaquim não a ofendera, nem mais, nem menos que todos os outros que já haviam lhe proferido aquelas palavras.
Ela já estava acostumada, por isso não chorou. Aliás, chorar era uma coisa rara de acontecer com Leila. Já nem sabia há quanto tempo a última lágrima correu por seu rosto.
Leila não era uma pessoa ruim, ao contrário, gostava de ajudar os outros e andava com ração na bolsa para dar a algum gato ou cachorro abandonado, que pudesse encontrar pela rua.
Quando Joaquim conheceu Leila, não demorou muito pra se apaixonar por seu “mistério no olhar”, como ele mesmo descreveu. Começaram a namorar e eram até felizes, mas, passado o êxtase do início do romance, as brigas logo se abancaram. Joaquim gostava de mandar mensagens ao celular de Leila, dizendo o quanto a amava, mas se irritava quando ela respondia com um “eu também”, ou um “:)”, ou simplesmente não respondia.
Os homens precisam de alguém lhes afirmando as coisas que eles acham que sabem. As mulheres, não todas, mas as mulheres como Leila, não gostam de repetir coisas de que já sabem.
Leila amava Joaquim, de uma forma que ele jamais desconfiaria. Afinal, Leila nunca chegou nem perto de tentar falar a ele tudo o que havia em seu peito. Nunca chegou a falar, mas em seu pensamento Leila construía as mais lindas declarações que Joaquim nunca chegou a ouvir, ninguém ouvira, somente Leila.
Ela era, ao mesmo tempo, atriz e plateia de seus monólogos extensos e tão complexos que nunca chegaram a sair de sua boca, porque um público de verdade a chamaria de louca. É, talvez Leila fosse mesmo louca.
As pessoas não a entendiam, ela sempre fora "estranha" aos olhares alheios, mas para Leila, era uma pessoa normal, não tinha nada de mais, Leila se entendia bem e tinha uma excelente percepção sobre si. A única coisa na qual ela sabia que era diferente dos outros era quanto à sua incapacidade de falar sobre seus sentimentos, expor suas ideias, dizer coisas simples como um "senti sua falta" ou "eu gosto de você".
Alguns dias depois, Leila estava terminando mais um de seus quadros - tinha muito talento para a pintura - quando o telefone tocou:
─ Alô?
─ Srª Leila Aguiar?
─ Sim...
─ Aqui é do hospital...
Alguns segundos ouvindo - transtornada - o que a mulher lhe dizia do outro lado da linha e Leila larga o telefone aos prantos. Caiu no chão, derrubando suas tintas, pincéis e telas... Pintava-se naquela sala uma cena que Leila já havia visto algumas vezes.
Joaquim havia sofrido um acidente, morreu minutos depois de chegar ao hospital, seu último pedido foi que dissessem a Leila que ele a amara muito, mais que a qualquer outra pessoa nessa vida.
─ Por quê? - se perguntava Leila soluçando - Por que isso sempre acontece comigo, meu Deus? Ele ao menos conseguiu me dizer, pela última vez, dentre tantas, que me amava, enquanto eu, mal consegui dizer isso a ele umas três ou quatro vezes.
Leila já havia perdido seus pais e alguns amigos sem dizer a eles, ou relembrá-los que os amava, que sentia falta deles, que se importava com eles. Leila só não percebia que ela mesma ia se perdendo nessas perdas dos outros, perdia forças, estímulo, vontade de viver. Leila precisava de ajuda, mas ninguém a ajudou.
Ninguém mais teve notícias de Leila.



3 comentários:

Alexandra Nícolas disse...

Gostamos, Perlinha!

Nilson Vieira disse...

Adorei o conto... Parabéns Perla.

FINGIDOR disse...

Muito bom, dona Perla! Bjs

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"Somos todos escritores, só que alguns escrevem e outros não." (José Saramago)
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